17 de fevereiro de 2008

ADI RFB n° 20/07: Industrialização por encomenda

Em 14.12.2007, foi publicado o Ato Declaratório Interpretativo da Receita Federal do Brasil (ADI RFB) n° 20, determinando que “para fins da apuração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), considera-se prestação de serviço as operações de industrialização por encomenda quando na composição do custo total dos insumos do produto industrializado por encomenda houver a preponderância dos custos dos insumos fornecidos pelo encomendante”.

Tal dispositivo tem grande impacto sobre os contribuintes que apuram o IRPJ com base no Lucro Presumido.

Com efeito, o art. 15 da Lei n° 9.249/95, fixa que a base de cálculo geral do imposto (no Lucro Presumido) será determinada mediante a aplicação do percentual de 8% (oito por cento) sobre a receita bruta auferida. Nesta regra se enquadram os contribuintes que desenvolvam atividade de industrialização.

Por outro lado, para a atividade de prestação de serviços em geral, o percentual aplicável é de 32% (trinta e dois por cento), ou seja, quatro vezes maior do que o percentual geral.

Dessa forma, o que pretende o Fisco com a edição do ADI RFB n° 20/07 é tributar os contribuintes que desenvolvem a atividade de industrialização por encomenda aplicando o percentual de 32% sobre o total das receitas auferidas, alargando consideravelmente a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Como relatou reportagem do jornal Valor Econômico, de 12.02.2008, “a mudança vai atingir os fornecedores de setores como o de eletroeletrônicos, de máquinas e equipamentos, indústria gráfica, entre outros, que preponderantemente têm matéria-prima fornecida pelo contratante”.

Contudo, acreditamos que o ADI RFB n° 20/07 pode ser desafiado perante o Poder Judiciário, sobretudo em virtude do fato de o mesmo ente tributante (no caso, a União), utilizar conceitos distintos para o IRPJ e o IPI, bem como ao limitar a competência tributária dos municípios.

De fato, segundo a legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Lei n° 4.502/64, “considera-se industrialização qualquer operação de que resulte alteração da natureza, funcionamento, utilização, acabamento ou apresentação do produto”. Neste sentido, o Regulamento do IPI, aprovado pelo Decreto n° 4.544/02, define que se caracteriza como industrialização o beneficiamento (“modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto”), a montagem (“reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma, ainda que sob a mesma classificação fiscal”), e ainda o acondicionamento ou reacondicionamento (“alterar a apresentação do produto, pela colocação da embalagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria”).

Noutro passo, ao limitar a competência dos municípios para instituir e cobrar o Imposto Sobre Serviços (ISS), a Lei Complementar n° 116/03 fixa o que seria a “industrialização por encomenda” como sendo a “instalação e montagem de aparelhos, máquinas e equipamentos, inclusive montagem industrial, prestados ao usuário final, exclusivamente com material por ele fornecido”.

Ou seja, ao limitar a competência dos municípios, a União exige a exclusividade no material utilizado para que a industrialização configure serviço, ao passo que para definir o percentual da receita que representará a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, é suficiente a mera preponderância dos insumos fornecidos pelo encomendante na composição do custo dos insumos.

Percebe-se, claramente, que o Fisco federal, ao editar o ADI n° 20/07, pretende se valer de dois pesos e duas medidas na definição do conceito de industrialização por encomenda. Vale dizer: um contribuinte que não se enquadre nos requisitos que justificam a exigência do ISS sobre suas operações de industrialização pode ser tributado pelo IRPJ como se prestador de serviços fosse, configurando verdadeiro paradoxo.

Por fim, relembramos ainda o que dispõe o Código Tributário Nacional, que em seu art. 110 determina que “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.

Dessa forma, entendemos serem boas as chances de o Judiciário afastar a pretensão da RFB, declarando a ilegalidade do ADI n° 20/07.

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Quinto Constitucional: Rejeição da lista sêxtupla pelo STJ é flagrantemente inconstitucional

Em que pese o tema fuja ao âmbito do Direito Tributário, não podemos deixar de nos manifestar acerca da recente rejeição pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) da lista com o nome dos seis indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para ocupar a vaga decorrente da aposentadoria do Ministro Antonio de Pádua Ribeiro, reservada ao quinto constitucional.

Sem perdermos tempo com os debates sobre a questão, gostaríamos somente de frisar o que determina a Constituição Federal (CF).

Neste sentido, repare-se o que dispõe o art. 104 da CF:

Art. 104. O Superior Tribunal de Justiça compõe-se de, no mínimo, trinta e três Ministros.
Parágrafo único. Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça serão nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo:
I - um terço dentre juízes dos Tribunais Regionais Federais e um terço dentre desembargadores dos Tribunais de Justiça, indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio Tribunal;
II - um terço, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente, indicados na forma do art. 94.


Regulando a questão, o art. 94 da CF estabelece o seguinte:

Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.
Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação.


Ressalte-se: uma vez recebida as indicações, cabe ao tribunal tão-somente formar lista tríplice e enviá-la ao Executivo.

A discricionariedade dos tribunais se limita, portanto, a escolher três dentre os seis indicados, nada mais.

Enfim, o fato é: torna-se cada vez mais difícil encontrar ânimo para discutir o direito em um país onde a classe dos magistrados está irreversivelmente convicta de sua onipotência... simplesmente lamentável.

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27 de janeiro de 2008

PIS/COFINS: Possibilidade de tomada de créditos no regime monofásico (II)

Em 30.12.2207 foi publicado em Temas Tributários texto que analisava a possibilidade de tomada de créditos de PIS/COFINS em relação aos produtos sujeitos à incidência monofásica dessas contribuições.

Tendo em vista a relevante modificação normativa concernente ao tema, advinda com a Medida Provisória (MP) nº 413/08, voltamos a abordar o assunto, tecendo as considerações que seguem.

Como é cediço, recentemente foi editada a MP nº 413/08, amplamente noticiada em virtude das alterações que introduziu na legislação da CSLL com objetivo de diminuir os impactos do fim da CPMF sobre a arrecadação, mas que trouxe outras modificações na legislação tributária, especialmente em relação ao PIS/COFINS.

Neste sentido, os artigos 14 e 15 da referida MP modificaram a legislação do PIS/COFINS em ponto especificamente abordado no texto de 30.12.2007, qual seja: a aplicabilidade do art. 17 da Lei nº 11.033/04 sobre a receita da venda de produtos sujeitos à incidência monofásica das aludidas contribuições.

Lembramos que o referido art. 17 da Lei 11.033/04 determina que “as vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações”.

Mitigando os impactos da norma acima, a MP nº 413/08 inseriu nos artigos 3º das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, que elencam os custos/despesas que possibilitam a tomada de crédito de PIS/COFINS, respectivamente os §§ 14 e 22, que, em redação idêntica, dispõem o seguinte:

Excetuam-se do disposto neste artigo os distribuidores e os comerciantes atacadistas e varejistas das mercadorias e produtos referidos no § 1º do art. 2º desta Lei, em relação aos custos, despesas e encargos vinculados a essas receitas, não se aplicando a manutenção de créditos de que trata o art. 17 da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004.

Repare-se que o dispositivo em comento altera a legislação do PIS/COFINS para determinar que as hipóteses de creditamento não se aplicam aos comerciantes dos produtos cuja receita esteja submetida ao regime monofásico de apuração (produtos referidos no § 1º do art. 2º das Leis nºs. 10.637/02 e 10.833/03).

Tal dispositivo, a princípio, pode surpreender pela sua desnecessidade àqueles que entendem que o art. 17 da Lei n° 11.033/04 possui somente caráter interpretativo, não se aplicando de forma alguma aos produtos cuja receita esteja sujeita à incidência monofásica das contribuições.

Contudo, a inserção dos §§ 14 e 22 nas Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, respectivamente, tem servido com um plus na argumentação dos que defendem a tese da revogação, pela Lei n° 11.033/04, da vedação à tomada de créditos na sistemática monofásica.

De fato, com as modificações advindas com a MP n° 413/08, torna-se mais fácil sustentar que até 1º de maio de 2008, quando terão início os efeitos jurídicos dos artigos 14 e 15 da MP nº 413/08, é plenamente válida a tomada de créditos de PIS/COFINS em relação às receitas relacionadas à comercialização dos produtos submetidos à incidência monofásica das contribuições.

Isto porque, a necessidade de exclusão por meio da referida MP confirmaria a hodierna possibilidade de manutenção de créditos por parte dos comerciantes de produtos cuja receita está sujeita à incidência monofásica, indicando que estes efetivamente dão ensejo ao creditamento de PIS/COFINS.

Portanto, diante desta recente alteração normativa, passam a ser mais consistentes os argumentos em prol da tomada de créditos por parte dos contribuintes sujeitos à incidência monofásica do PIS e da COFINS.

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13 de janeiro de 2008

IRRF: Indenização por férias não gozadas

Embora trate-se de assunto pacificado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o fato é que a Receita Federal do Brasil continua impondo às empresas que, quando do pagamento da indenização das férias não gozadas na rescisão do contrato de trabalho, retenham o imposto de renda.

Tal se dá em virtude do que determina o Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto n° 3.000/99, que em seu art. 43, II, manda tributar valores pagos a título de férias, nos seguintes termos:

Art. 43. São tributáveis os rendimentos provenientes do trabalho assalariado, as remunerações por trabalho prestado no exercício de empregos, cargos e funções, e quaisquer proventos ou vantagens percebidos, tais como:
[...]
II - férias, inclusive as pagas em dobro, transformadas em pecúnia ou indenizadas, acrescidas dos respectivos abonos;

Coberto pelo manto vinculação de suas atividades, o Fisco federal com base na norma transcrita acima, impõe às empresas a aplicação da tabela progressiva do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).

Todavia, tal norma, em que pese esteja inserta no RIR/99, não possui base legal, e fere frontalmente a hipótese de incidência do imposto de renda, uma vez que, nos termos do artigo 43, incisos I e II do Código Tributário Nacional, “o imposto de renda tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade jurídica ou econômica de renda e de proventos de qualquer natureza assim entendidos os acréscimos patrimoniais”.

Trata-se de óbvio caso de ilegalidade, como apontado por Higuchi, que, em sua clássica obra “Imposto de Renda das Empresas – Interpretação e Prática”, afirma que:

O disposto no inciso II do art. 43 do RIR/99 que manda tributar os valores pagos a título de férias indenizadas foi inserido sem que tenha base em lei. Com isso, a questão não é de constitucionalidade, mas de ilegalidade. A distinção é importante porque não sendo matéria de inconstitucionalidade a decisão final cabe ao STJ. Isso significa que na esfera judicial a matéria está pacificada com a jurisprudência de que os pagamentos relativos a férias indenizadas não estão sujeitos à incidência do imposto de renda.

Como bem apontado pelo Autor, como se trata de discussão sobre a legalidade da norma em comento, a decisão final cabe ao STJ. E a Corte Superior fez mais do que decidir a questão, editando inclusive a Súmula n° 125, publicada em 15.12.1994, que determina que “o pagamento de férias não gozadas por necessidade do serviço não está sujeito à incidência do imposto de renda”.

Indo mais além, a jurisprudência do STJ continua evoluindo, no sentido de apontar que (a) não é preciso comprovar a necessidade do serviço; (b) a não incidência do imposto de renda aplica-se não só às férias vencidas como também às proporcionais; e (c) também não incide o imposto de renda sobre o acréscimo constitucional de 1/3 sobre o valor indenizado das férias não gozadas. Tal se pode notar do julgamento dos Recursos Especiais n° 980.658/SP e 979.887/SP, e dos dos Agravos Regimentais n° 764.717/SC e 932.030/SP, este último julgado pela Primeira Seção, em decisão publicada em 10.12.2007.

Dessa forma, mostra-se totalmente descabida e até mesmo imoral a exigência perpetrada pelo Fisco federal, que exige dos contribuintes a impetração de mandado de segurança preventivo, caso este procure o Judiciário antes de ser efetivada a retenção e o repasse, ou ajuizamento de ação de repetição de indébito, que leva às infindáveis filas dos precatórios, ou ainda, na pior das hipóteses, simplesmente a perda dos valores indevidamente exigidos a título de imposto de renda.

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10 de janeiro de 2008

Projeto de Lei nº 1.472/2007

Em dezembro último, foi inaugurado este espaço com artigo que comentava a inércia legislativa em regulamentar o art. 150, § 5º, da Constituição Federal que estabelece que “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”.

Ao abrir o ano de 2008, entendemos pertinente noticiar que tramita atualmente na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 1.472/2007, que estabelece “medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços, através do documento fiscal ou em painel eletrônico visível no ato da compra”.

O art. 1º da referida proposição determina que, por ocasião da venda de mercadorias e serviços, deverá constar, dos documentos fiscais ou equivalentes emitidos, informação do valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência repercuta no preço.

Mais adiante, o § 5º do referido art. 1º, elenca os tributos que deverão ser computados, quais sejam:

Imposto sobre Operações relativas a Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS);
Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS);
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);
Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a Títulos ou valores Mobiliários (IOF);
Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR);
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL);
Contribuição Social para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) – (PIS/ Pasep);
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);
Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (Cide).

Em que pese os parágrafos 9º, 10, 11 e 12 tragam regras que mascaram um pouco o reflexo tributário decorrente da incidência indireta de alguns tributos – sobre isso, repare-se que a CPMF, que ainda vigia, não consta da listagem do art. 1º, § 5º –, tal fato não chega a macular a iniciativa.

Resta agora acompanhar a tramitação do Projeto e saber se haverá interesse político em por a população a par do quanto esta efetivamente paga a título de impostos e contribuições.

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30 de dezembro de 2007

PIS/COFINS: Possibilidade de tomada de créditos no regime monofásico

Um dos assuntos que maior controvérsia gera hodiernamente é o relativo às hipóteses de tomada de crédito de PIS e de COFINS decorrentes das inovações advindas com a sistemática não-cumulativa das referidas contribuições, introduzida pelas Medidas Provisórias (MP) n° 66/02 e 135/03, posteriormente convertidas nas Leis nº 10.637/02 e 10.833/03.

Como se sabe, existem diversas modalidades de apuração da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), dentre as quais se destacam a cumulativa, a não-cumulativa e a monofásica.

Pela sistemática monofásica das contribuições, a tributação é concentrada no produtor ou importador e as etapas seguintes da cadeia são tributadas com base na alíquota zero. Estão nesse regime setores importantes da economia, como os combustíveis carburantes, veículos automotores, peças e acessórios para veículos, medicamentos, artigos de perfumaria, refrigerantes, cervejas, águas minerais, embalagens para bebidas, cigarros, etc.

Por seu turno, na sistemática não-cumulativa, é possibilitado aos contribuintes o creditamento em relação a alguns dos insumos e custos, elencados nos artigos 3º das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, hipótese que não se observa, por exemplo, na modalidade cumulativa.

Ao regular a possibilidade de tomada de créditos, os parágrafos 2º dos artigos 3º das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, com a redação que lhes deu a Lei nº 10.865/04, dispõem que “não dará direito a crédito o valor da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição, inclusive no caso de isenção, esse último quando revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição”.

Percebe-se que o que a norma indica é a impossibilidade da tomada de crédito relativamente a bens e serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição. Vale dizer: se sobre a receita gerada na operação anterior, quando da aquisição do bem ou serviço, não incidiram (ou estavam isentos ou sujeitos à alíquota zero) o PIS e a COFINS, não há que se falar em crédito quando da incidência das contribuições sobre a receita oriunda de tais bens ou serviços (na operação seguinte).

Contrário senso, quando efetivamente tributada pelo PIS/COFINS a receita decorrente da aquisição de bens e serviços, não há o que obstar ao creditamento das referidas contribuições pela pessoa jurídica adquirente.

O próprio Fisco corrobora esta conclusão, como se constata da Solução de Consulta nº 67, de 27.02.2007, da Superintendência Regional da 7ª Região Fiscal, que destaca que “na hipótese de a pessoa jurídica sujeitar-se à incidência não-cumulativa das Contribuições ao PIS/PASEP e à COFINS, em relação à toda sua receita, poderá manter os créditos vinculados a essas operações, mesmo no caso de vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota de 0% (zero por cento) ou não-incidência dessas Contribuições não se aplicando a proporcionalidade prevista nos § 7º e 8º do art. 3º- da Lei nº10.637 de 2002”.

Além da obviedade da norma em questão, visando esclarecer a interpretação da legislação do PIS/COFINS no que concerne à tomada de créditos, foi introduzido o art. 16 na MP nº 206/04 (posteriormente convertida na Lei nº 11.033/04 – quando o dispositivo em referência passou a ser o art. 17), que determina que “as vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não-incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações”.

Trata-se de dispositivo meramente interpretativo, como ressaltado na exposição de motivos da MP nº 206/04, que expõe que “as disposições do art. 16 visam esclarecer dúvidas relativas à interpretação da legislação da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS”.

Todavia, parece que a inserção deste esclarecimento teve o condão de trazer dúvidas sobre outra questão delicada no universo da contribuição ao PIS e da COFINS, qual seja: a possibilidade de creditamento na incidência monofásica dessas contribuições.

Creditamento na sistemática monofásica

Como visto, na sistemática monofásica de apuração do PIS/COFINS, o produtor ou importador é responsável pelo recolhimento das contribuições com alíquota majorada, ao passo que as operações seguintes são tributadas com base na alíquota zero.

Os produtos cujas receitas estão submetidas a esta modalidade de apuração foram elencados nos parágrafos 1° dos artigos 2° das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, que faz remissão às diversas leis instituidoras da sistemática monofásica para determinadas mercadorias.

Por seu turno, os artigos 3º, I, b, das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, dispõem que “a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos no § 1° do art. 2°”, o que significa dizer que a aquisição para revenda de produtos cuja receita esteja sujeita à incidência monofásica das contribuições não dá direito à tomada de créditos de PIS/COFINS.

Tal dispositivo é coerente por manter a distinção entre as sistemáticas monofásica e não-cumulativa do PIS/COFINS, distinção essa que foi inclusive prestigiada na exposição de motivos da Medida Provisória n° 66/02, quando ficou consignado que “sem prejuízo de convivência harmoniosa com a incidência não cumulativa do PIS/Pasep, foram excluídos do modelo, em vista de suas especificidades [...] os contribuintes tributados em regime monofásico ou de substituição tributária”.

Em prestígio à norma em comento e à separação entre os regimes de apuração das contribuições, o Fisco já se manifestou algumas vezes pela impossibilidade do creditamento por parte dos contribuintes sujeitos à alíquota zero, quando na sistemática monofásica das contribuições.

Nesta linha, a Solução de Consulta nº 151, de 18.09.2006, da Superintendência Regional da 10ª Região Fiscal foi no sentido de que “em razão da técnica legalmente implementada de tributação concentrada nos fabricantes e importadores de veículos [...] as receitas auferidas pelos comerciantes atacadistas e varejistas com a venda desses produtos são submetidas à alíquota zero da Contribuição para o PIS/Pasep, sendo expressamente vedado, de outra parte, o aproveitamento de créditos em relação às aquisições desses bens”.

Com posicionamento semelhante, a Solução de Consulta nº 2, de 12.01.2007, da Superintendência Regional da 5ª Região Fiscal, destaca que “em razão da técnica legalmente implementada de tributação concentrada nos fabricantes e importadores de cervejas, águas e refrigerantes, as receitas auferidas pelos comerciantes atacadistas e varejistas com a venda desses produtos são submetidas à alíquota zero da Cofins, sendo vedado o aproveitamento de créditos em relação às aquisições desses bens”.

No entanto, há quem defenda que, com o advento da Lei n° 11.033/04, a vedação ao creditamento constante dos artigos 3º, I, b, das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03 foi revogada, o que possibilitaria a tomada de crédito por parte dos contribuintes tributados pela sistemática monofásica.

Em seu artigo “Créditos do PIS/COFINS Monofásico”, que integra a coletânea “Fundamentos do PIS e da COFINS”, publicada pela editora MP, o Doutor em legislação tributária Helenilson Cunha Pontes comenta o posicionamento do Fisco, asseverando que o “entendimento oficial é manifestamente ilegal, podendo ser desafiado junto ao Poder Judiciário [...] por todos os contribuintes que auferem receitas com a venda dos produtos submetidos ao regime monofásico”, esclarecendo em seguida que “a razão da ilegalidade está em que o art. 17 da Lei nº 11.033/04 claramente confere aos contribuintes que vendem produtos submetidos à alíquota zero de PIS/Cofins o direito de manutenção dos créditos relativos à aquisição destes produtos [...] Diante da clareza do art. 17 da Lei nº 11.033/04 não há como negar aos contribuintes atacadistas ou varejistas de qualquer dos produtos sujeitos à tributação monofásica (combustíveis, medicamentos, automóveis, autopeças, etc.) o direito ao crédito relativo à aquisição destes produtos”, para arrematar a questão afirmando que “o art. 17 da Lei nº 11.033/04, a claras luzes, por ser norma posterior, regulando a mesma matéria – alcance do direito de crédito – revogou o comando do art. 3º, I, b, da Lei nº 10.833/03, que negava o aludido direito ao crédito”.

E a posição não é isolada. Em recente artigo publicado no site da Associação Paulista de Estudos Tributários (APET), Toshinobu Tasoko vai ainda mais longe ao sustentar que “de fato, o referido dispositivo legal [inciso II, § 2º, art. 3º da Lei 10.833] restringia apropriações de créditos de Pis/Cofins nos casos de revenda de produtos sujeitos a alíquota zero. Mais tarde, o artigo 17 da Lei 11.033, de 21 dezembro de 2004, veio corrigir essa distorção”.

Dando o tom da relevância ao tema, a tese da modificação advinda com o art. 17 da Lei n° 11.033/04 vem ganhando adeptos. Neste sentido, quando da análise do pedido de efeito suspensivo requerido no Agravo de Instrumento n° 2007.03.00.096105-3, a Desembargadora Federal Regina Costa, da Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, proferiu decisão, publicada em 07.12.2007, na qual consignou o seguinte:

Tal dispositivo [art. 17 da Lei n° 11.033/04], ao menos numa primeira análise, confere à Agravante o alegado direito ao aproveitamento dos respectivos créditos.
Com efeito, no regime apontado
[monofásico], todos os demais elos da cadeia produtiva, à exceção do produtor ou importador – que são responsáveis pelo recolhimento do tributo à uma alíquota mais gravosa – ficam desobrigados do recolhimento porque, sobre a receita por eles auferida, aplica-se a alíquota zero.
Ora, o fato de tal receita estar submetida à alíquota zero, não obsta que tais contribuintes mantenham os créditos de todas as aquisições por eles efetuadas, como expressamente assegura o art. 17 da Lei n. 11.033/04.


O fato é que, na íntegra da decisão monocrática da Desembargadora Federal não é feita qualquer menção aos artigos 3º, I, b, das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, de maneira que a análise da julgadora pode ter desconsiderado a norma verdadeiramente responsável pelo óbice ao creditamento em voga, pelo quê consideramos a decisão frágil.

Nada obstante, estamos diante de uma nova tese, que já gerou seu primeiro fruto, e que, caso receba real acolhida pelo Poder Judiciário, pode significar grande economia aos contribuintes que comercializam mercadorias sujeitas à incidência monofásica do PIS e da COFINS, de modo que vale acompanharmos a evolução da jurisprudência sobre o tema.

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